Seja um bosta

O dia em que eu discordei da Nathalia Arcuri

Eu comecei a trabalhar muito cedo, aos 14 anos. Numa locadora de fitas de videogame. De lá pra cá, já passei por (bem) mais de 15 empresas, nos mais variados cargos e funções.

Foram tantas coisas diferentes, que eu tenho certeza que nem a Aline (minha esposa) sabe de todos os lugares por onde eu passei.

O bacana de se passar por tantos trabalhos diferentes, em áreas e setores da economia diferentes, em diversas cidades e com vários tipos de pessoas, é que isso acaba com as generalizações vazias. Aquela coisa de “na minha área é diferente”, “na minha área as pessoas são complicadas”.

Isso tudo cai por terra, quando você vê que as pessoas são, em essência, iguais. Independente de geografia, idade, escolaridade.

Somos serzinhos cheios de medos, conceitos pré-estabelecidos, dogmas,
tabus e, sobretudo, preguiçosos e procrastinadores.

Todos nós.

E, acima de tudo, todos nós temos um certo senso de “eu sou diferente” - para o bem ou para o mal. Fruto dos vieses cognitivos implantados lá no fundo do nosso cérebro animal.

 
 

Os mais seguros de si tendem a achar que são os únicos (ou um dos poucos) capazes daquilo que fazem, que pensam e agem daquela forma.

Os mais pessimistas e auto-críticos tendem a se menosprezar… e achar que o resto do mundo é melhor:

- Eu sou muito procrastinador

- Sou péssimo em cumprir horários

- Sou muito ruim em matemática

- Tenho muita preguiça

E por aí vai.

 

Uma notícia, caso você faça parte deste segundo grupo:

Todo mundo é assim.

Bom… nem todo mundo. Alguns em maior ou menor grau, não tem alguns desses “defeitos” listados. Mas, com certeza, têm outros tantos defeitos… só que você não os enxerga.

Em um desses muitos empregos que tive, um me marcou muito, por ser a primeira empresa de porte maior que trabalhei. Era uma indústria metalúrgica, que produzia torres de telecomunicação e energia. Na época, era a maior do setor, no país.

Lá eu fui estagiário, me dividindo entre os setores de RH e Controle de Qualidade, e foi neste último que eu tive meu primeiro contato com muitas técnicas de liderança, administração de times, performance e todos esses nomezinhos bonitos que adoram repetir em corporações mundo afora.

A empresa investia pesado nisso, promovia palestras com grandes nomes do Brasil, dava treinamentos constantes e se comunicava muito fortemente sobre sua busca pela alta performance.

O ano era 1998, pré-popularização da internet como conhecemos hoje. Ter acesso a esses conteúdos era difícil, raro e caro. E eu, com 16/17 anos, me sentia no céu com toda aquela riqueza de frases bonitas que, eu admito, fazia muito sentido.

Uma das máximas que eu ouvia, na época, era a do “profissional balanceado”. Aquele que tinha boas performances em todas as áreas profissionais, que era o orgulho dos auditores da ISO9000 e do 5S (alguém lembra deles?). E eu absorvi isso.

Durante anos e anos, mesmo depois de ter saído de lá, eu segui buscando esse tal “balanceamento”. Qualquer deficiência em alguma área profissional, qualquer performance que me fazia me sentir “um bosta” era motivo de uma certa ansiedade e uma busca pra diminuir aquela deficiência.

Saindo daquela empresa fui trabalhar em uma indústria gráfica. E minha maior função lá era ser criativo. Quanto mais ideias novas eu trouxesse, mais lucrativo o negócio era. Quanto mais eu me especializasse nos softwares que eu usava, melhor seria.

Mas, ao invés disso, aquele pensamento enraizado em dois anos de muitas palestras, seminários, livros e cursos me fazia ignorar a necessidade da criatividade e lutar, por exemplo, para ser um profissional mais organizado, tentando criar sistemas para organizar os papéis e revistas que se acumulavam na minha mesa e eram meu material-fonte para a criatividade.

Entende?

Ao invés de focar em ser ainda melhor em algo que eu já era bom,
eu desperdiçava muito esforço vital em tentar ser “médio” em coisas que eu era ruim.

E sabe o que isso gera, no fim das contas? Um profissional “musiquinha de elevador”. Extremamente mediano.

Aquele que é bom… agrada… mas não tem nada de especial.

Fazendo um salto no tempo, vinte anos para o futuro, com muitas experiências acumuladas e ZERO vontade de dar ouvidos aos tais consultores dos anos 90, aqui estou eu, focando só nas coisas que eu sei que faço bem, que gosto de fazer, e ignorando veementemente qualquer deficiência minha. Se eu sou ruim em algo, só tenho três opções: terceirizo, não faço ou peço desculpas. Mas não passo um só minuto me lamentando por não ser melhor.

Ninguém pode ser bom em tudo.

E, no começo deste ano, um bom amigo resolveu se mudar para o Japão.

E o Japão, você deve saber, não é “logo ali”. Provavelmente vou ficar longos anos sem rever o tal amigo… ou talvez nem tenha mais a chance de reencontra-lo.

Como Guarulhos (onde ele morava antes de se mudar) é muito mais perto que o Japão, é claro que eu precisava reencontra-lo pessoalmente antes da mudança. Combinamos com mais um amigo em comum, que viria de Campinas, para batermos um longo papo e tomarmos um café, como forma de despedida.

Eu, recém chegado à São Paulo, é claro que errei nos cálculos de tempo que levaria para chegar até a cidade vizinha, e me atrasei. E meus amigos tiveram que me esperar por lá, por meia hora a mais do que o combinado.

Pontualidade já não é meu forte. Não atraso por vontade própria, mas não tenho esse “instinto” e essa necessidade maluca de ser precisamente pontual em tudo. Mas este atraso, por todos os fatores especiais envolvidos, me causou um certo incômodo, uma certa ansiedade, durante todo o caminho entre São Paulo e Guarulhos.

Durante o trajeto do trem (que demorou MUITO) eu resolvi assistir a alguns vídeos no YouTube, pra relaxar. Coincidência ou não, um dos primeiros vídeos que me aparece é um da Nathalia Arcuri, onde ela falava sobre pontualidade.

E a abordagem dela (que deve ter suas razões pra isso) foi extremamente condenatória a atrasos.

- “Seja pontual”, ela dizia enfaticamente. “Atrasos são intoleráveis”, etc etc

Claro que a Nath se referia ao universo profissional, e não um café entre amigos (espero eu). Mas o assunto me fez refletir e ponderar.

E com um adendo importante: gosto muito da Nathalia e não tenho absolutamente nada contra ela. Tive a oportunidade de conhece-la quando eu era CEO da Organizze, e ela começava seu canal do YouTube, que hoje é muito famoso. Um amor de pessoa! A discordância aqui é de OPINIÃO, somente.

Voltando ao assunto… durante aquela hora do trajeto do trem, pude pensar a respeito do “defeito” da impontualidade, e de tantos outros “defeitos”.

E pensei a respeito de mim mesmo… se eu realmente não deveria me esforçar mais para ser mais pontual. E quais seriam as consequências do meu atraso, naquele ou em outros dias.

E te convido a pensar comigo a este respeito.

Vamos imaginar duas situações hipotéticas:

1) Na segunda feira, você combina com um colega de trabalho que vão conversar sobre um assunto de trabalho. Algo chato, mas que precisa ser resolvido. E você combinam às 16h, na sala de reuniões. E ele atrasa, chegando às 16:15.

Te fez esperar, atrasar seu próximo compromisso ou ter que apressar o papo com ele… um saco, não? Seu colega é um bosta, “atrasildo”, sem compromisso, não é?

É claro que você faz questão de demonstrar sua insatisfação, até verbalmente. Quem sabe, acontece até uma discussão entre vocês, não é? Nada mais justo. Onde já se viu, te fazer esperar tanto?

2) Na terça, durante o almoço, você recebe a notícia que o seu maior ídolo da música ou do cinema vai aparecer no seu escritório, às 16h, e quer ser atendido POR VOCÊ. Que honra, não?? Pensa aí… seu maior ídolo! Ou até, melhor… seu crush famoso. Pode ser a Jennifer Aniston, o Liam Hemsworth, a Angelina Jolie, o Brad Pitt… quem você quiser.

Mas ele se atrasa.

Muito.

E chega às 17h30. Uma hora e meia de atraso!

Qual será a sua reação? Vai fazer cara feia para ele? Dar uma bronca?

Humm…

Entende a diferença? Provavelmente você receberia a pessoa com um sorriso, e ainda diria “Imagina!! Nem notei que o tempo passou…”

Esses defeitinhos, como a impontualidade, só são percebidos e sentidos quando a pessoa em questão não tem tanta importância assim, pra você. É duro dizer assim, mas é verdade.

Estamos sempre prontos - ou, mais do que prontos, predispostos - a “perdoar” os defeitos de quem tem outras qualidades mais importantes para nós.
Naquela ocasião do café, em Guarulhos, eu me imaginei no lugar dos meus amigos. Se fosse eu a esperar por eles.

E, sabe o quê? Problema nenhum. Gosto tanto deles, são companhias tão agradáveis, que eu esperaria por toda a tarde, se fosse necessário.
Porque eles são BONS em outros quesitos: bom papo, boas risadas, excelentes companhias, inteligentes - eles simplesmente não precisam ser pontuais. A parte boa compensa.

Voltando ao lado profissional, pensa aí: no que você é realmente BOM? Qual é o seu ponto que pode compensar pequenos defeitos, a ponto de que você possa ignora-los completamente (e também ignorar as pessoas que se importam com esses defeitos)?

Compense suas pequenas fraquezas sendo bom. No sentido amplo. Bom no que faz, bom pra os outros. Bom em coisas que você vê sentido, e que fazem você se sentir bem.

Eu, por exemplo, não sentiria nenhum orgulho em ser conhecido como “olha, como o Leandro é organizado!” ou “vejam todos, como ele é pontual!”.
São duas qualidades que eu não prezo, não procuro. Porque eu teria que passar meus dias lutando para que outras pessoas falem isso de mim??

Se você quer saber alguns detalhes sobre mim, este sou eu:

Pontual? Não. Nem um pouco. Tento ser uma companhia agradável, aquela que não faz diferença se você precisa esperar por alguns minutos. No trabalho, tento ser aquela pessoa que traz tantas coisas boas, que vale a pena esperar uns minutos.

Organizado? Xiii… Não. Mas o trabalho que eu entrego tem sempre muito mais elogios que críticas, e eu não entrego nada sem ter a certeza que é o melhor que eu faria pra mim mesmo.

Consistente? Pelo contrário. Procrastinador ao extremo. Mas extremamente criativo, que sempre acha uma solução para problemas e que entrega mais que o esperado, sempre.


Nem todo mundo é igual.
Ninguém é perfeito.
Ninguém é bom em tudo.


Por outro lado, se você é um “pé no saco”, uma companhia desagradável, melhor que seja pontual e rápido, mesmo. Não é bom ter sua presença por muito tempo, e se torna insuportável esperar por você.

Seu trabalho é desleixado e só o mínimo necessário? É melhor que seja consistente e organizado, então. Pelo menos não dá muito trabalho e não polui o visual da empresa.

Seja bom, que o resto compensa!